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Foi poeta, sonhou e amou na vida

Começo com a citação de um verso de Álvares de Azevedo, jovem poeta brasileiro do século XIX. Como muitos garotos de sua geração, Azevedo via-se perdido em meio à turbulência de seus dias, imerso no mal do século e oprimido pelas intensas e profundas mudanças sociais que testemunhava. O futuro não lhe parecia promissor visto que o próprio presente era difuso e incerto. Como se sentia esse jovem? Qual legado deixaria à posteridade? O verso que intitula este texto responde de pronto a essas indagações: deixaria sua poesia, seus sonhos e sua disposição para amar. Azevedo, que tanto escrevera sobre o amor e seus sonhos, fez da própria poesia um ideal, uma resistência à realidade inóspita.

 

Renato Russo, líder da banda Legião Urbana, definiria o século XX em moldes semelhantes: “Digam o que disserem / O mal do século é a solidão / Cada um de nós imerso em sua própria arrogância / Esperando por um pouco de atenção”. Em sua tinta, certa apatia se desenhava naquela sociedade finissecular, tão fechada em si mesma, a cobrar empatia do outro. A doença era visível, mas o remédio, simples e fácil: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã / Porque se você parar para pensar / Na verdade não há”. Por mais difíceis que fossem os dilemas, havia uma resposta, havia uma necessidade e uma esperança tanto para a juventude do século XIX quanto para a do século XX.

 

Mais de cem anos separam esses dois artistas que expuseram inquietações e grande sensibilidade, reafirmando o senso geral de que juventude, inadaptação e sonhos caminham juntos. Porém, se apresentarmos essas mesmas questões a um adolescente do início do século XXI, que tem o mundo nas mãos com um simples toque nas telas e vive um isolamento sem precedentes devido à pandemia do Covid-19, a resposta pode ser mais contundente e assustadora, até mesmo para o senso comum.

 

Foi o que mostrou uma pesquisa realizada em 2020 e divulgada pela UNESCO em junho do mesmo ano. “Juventude e pandemia do Coronavírus” (https://www.juventudeseapandemia.com/) entrevistou mais de 33 mil jovens brasileiros de todas as regiões a fim de identificar as consequências da pandemia em áreas como bem-estar e expectativas para o futuro. Os resultados mostraram que esta, a maior geração de jovens da história do país, sente-se em desequilíbrio emocional, vive insegura e é dominada por ansiedade, depressão e imensa falta de perspectiva de futuro, uma realidade capaz de trazer sérios impactos aos rumos da sociedade nas próximas décadas. Em linhas gerais, os jovens deixaram de sonhar. Como se não bastasse, estimulados como nunca à competição e ao consumo, adquirem bens supérfluos a fim de suprir suas carências, encontram alegria em prazeres momentâneos e experimentam poucas realizações. Têm desejos, não sonhos e, sem sonhar, suas emoções se desequilibram, suas forças não se renovam e a ousadia, tão cara à mocidade, se esvai.

 

Esse retrato desalentador possui, contudo, dois dados animadores, pois podem indicar caminhos ou estratégias sequentes: quase todos os entrevistados consideram a escola extremamente relevante e a ciência um motivo de otimismo. Em outras palavras, em meio a tantas informações fugazes e a tanta liquidez, inseridos na frustração e na absoluta falta de perspectivas, os jovens brasileiros percebem um porto seguro e ele é, surpreendentemente, a educação, o conhecimento.

 

Essa educação “salvadora”, entretanto, não é aquela voltada ao desenvolvimento intelectual com conteúdos sem grande conexão com a realidade. Muito menos ao fornecimento de tecnologias de ponta, que já participam de seu dia a dia e não lhes trazem sentido para a vida. Carecem de educação integral voltada à excelência intelectual e emocional através de um ambiente sadio, baseada no diálogo e na construção coletiva do conhecimento. Desejam uma educação preocupada com um mundo mais justo, fraterno, solidário e inclusivo. Clamam por uma escola alegre e plena de respeito, que resulte em vidas transformadas para o bem individual e da sociedade. Tudo isso é proposto pelo Projeto Educativo Comum da RJE e se torna um desafio para todos nós.

 

Essa educação integral é que poderá contribuir, com responsabilidade, para a superação de muitos desafios hodiernos e fomentar o direito de sonhar, que não está em nenhuma Constituição ou em declarações de Direitos, mas que nos torna profundamente reais.

 

 

 

Por Maria Laura Muller da Fonseca

Professora